Cortejo fúnebre mistura tradição, música, fogos e cachaça em vila no Pará; VÍDEO
28/09/2025
(Foto: Reprodução) Cortejo fúnebre em município no Pará mistura cachaça, fogos e música em despedida
Um cortejo fúnebre realizado pelos moradores da vila de São João do Abade, em Curuçá, no nordeste do Pará, chama atenção pelo clima fora do comum, com música, fogos de artifício, cachaça e a presença animada de amigos e familiares.
O ritual é tradição no município, existe há mais de 200 anos e há cerca de 25 anos recebeu o nome de “frete”. O cortejo percorre 4,5 km até do Abade até o Cemitério São Bonifácio, no centro do município.
Participante do cortejo, o criador de conteúdo digital e empreendedor Alexandre Nascimento ressalta que a tradição não celebra a morte, mas sim a vida que a pessoa viveu.
“Quando morre alguém na vila, a família tira o caixão de dentro da casa e entrega para a gente, que acompanha o frete. São muitos populares, e vamos revezando o peso até o cemitério. Lá dentro já não tem fogos nem bebida. Quem quiser beber ou soltar fogos, fica do lado de fora. O momento lá dentro [do cemitério] é entre o falecido, a família e as homenagens que eles prestam. Nós não entramos”, conta.
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Ainda segundo Nascimento, a tradição surgiu quando a vila ainda não tinha acesso à área central de Curuçá e nem a serviços funerários.
"Naquele tempo, o caixão era improvisado com tábuas de Marupá (uma madeira leve, fácil de trabalhar e comum na Amazônia). Os amigos e vizinhos se reuniam para ajudar nos preparativos, bebendo cachaça e fazendo o cortejo a pé até o cemitério", conta.
Lágrimas e Cachaça
Cortejo fúnebre em município no Pará
Imagens: Arquivo pessoal/ Alexandre Nascimento
A professora Valéria Fernanda Sousa Sales, que escreveu uma dissertação intitulada "Lágrimas e Cachaça: a espetacularidade do cortejo fúnebre do Frete em São João do Abade, Curuçá-PA", conta que o Frete é uma reconfiguração do funeral barroco, que existiu no Brasil até metade do século XIX.
Segundo ela, na época foram proibidos o sepultamento nas igrejas e o sepultamento em Curuçá era realizado na igreja de Nossa Senhora do Rosário e depois passou a ser em um local distante do centro.
"Com a mudança de espaço, o Abade passou a preservar o cortejo fúnebre como era antes. A questão dos amigos carregarem o caixão, a bebida. Para eles, hoje, o nome 'Frete' surge da ideia de que as pessoas estariam 'fretadas' para levar o caixão até o cemitério", explica.
Valéria ainda conta que o frete é reservado apenas para algumas pessoas da comunidade e não para todos.
Algumas pessoas têm o funeral normal, com o caixão seguindo no carro da funerária.
Já no frete, as pessoas são convidadas e participam do velório, que segue várias regras. Ela detalha que, durante o velório, também há uma divisão de funções.
Os homens, por exemplo, ficam jogando baralho ou dominó na frente da casa, para fazer companhia à família. Segundo ela, é uma forma de garantir que quem está de luto não fique sozinho. Já as mulheres tomam conta da cozinha. A comunidade traz café, bolacha, mingau, sopa, não só a família.
"Se tem amigos que são pescadores, quando chegam na madrugada, eles trazem o peixe e fazem o 'avoado', que é o peixe assado e comem com farinha e pimenta", detalha a professora.
Durante o percurso, há também uma divisão entre homens e mulheres. O primeiro trecho é conduzido pelos homens. Quando chegam próximo a um ponto de referência na vila, ocorre a troca, os homens saem e as mulheres assumem o cortejo e nessa parte, os homens não podem mais carregar o caixão.
"As mulheres reivindicam o lugar delas e isso serve como um combustível para que essas pessoas se fortaleçam, porque são vários km de funeral, de cortejo fúnebre", diz.
As pessoas tomam uma bebida alcoólica para ganhar energia, como se fosse um combustível para carregar o caixão", relata ainda a professora
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